BULDÓZERES (MILITARES) ALARGARÃO A PICADA

O jurista Rui Verde defende que o MPLA, partido no poder em Angola há 49 anos, “chegou ao fim da linha” e deve aproveitar o congresso extraordinário para se “refundar”, sob pena de perder as eleições em 2027. Mas será que há algum tipo de refundação que ensine os jacarés a serem vegetarianos?

Por Orlando Castro

Rui Verde, que comentou, em declarações à Lusa, o anúncio do MPLA sobre a realização de um congresso extraordinário, em Dezembro deste ano, disse que este deverá ser um momento de “refundação do partido”, referindo que, “neste momento, o MPLA, como está, chegou ao fim da linha, não lhe é possível ganhar qualquer eleição a nível nacional”. Importa, contudo, que o MPLA nunca perdera eleições enquanto continuar a ser o dono da Comissão Nacional Eleitoral e, ao mesmo, tempo proprietário dos eventuais instâncias de recurso, caso dos tribunais.

De acordo com Rui Verde, “há um descontentamento grande devido à sua política – ou não política – económica, inflação, desemprego e capacidade de se ligar com o povo”. Sendo tudo isto verdade, importa não esquecer que nas eleições a vitória não é dada por que vota mas, isso, sim, por quem conta os votos…

“Portanto, obviamente, o MPLA precisa de dar um sinal ao povo que quer mudar, que quer fazer aquilo que Agostinho Neto antigamente dizia, e que nunca praticou, que era resolver os problemas do povo”, frisou. Na “melhor” das hipóteses, o presidente do MPLA, general João Lourenço, está mais tentado a – como também dizia Agostinho Neto – “não perder tempo com julgamentos” e a fazer com os opositores (caso, por exemplo, de Adalberto da Costa Júnior) o que Neto fez com Nito Alves.

Para Rui Verde, “é fundamental, se o MPLA não quer perder as próximas eleições, que se renove, que refunde, que traga uma nova mensagem e sobretudo um novo trabalho”. Crê-se, aliás, que o partido está mesmo a criar (embora ainda em laboratório) uma espécie de jacarés que serão apresentados, em 2027, como vegetarianos.

Do mesmo modo, tudo indica que o MPLA irá igualmente apresentar, neste caso à comunidade científica internacional, os primeiros seres humanos (angolanos) capazes de viverem sem… comer.

Segundo o jurista, persiste a ideia de que “o MPLA não trabalha para o povo, trabalha para enriquecer pequenas cliques e pequenas elites, e essa ideia tem que ser mudada para ganhar eleições”. Respeitando, obviamente, a tese de Rui Verde, estamos em crer que ele está “maduro” de saber que que é mais fácil escrever português não usando vogais do que o MPLA alguma vez mudar o seu ADN.

O académico realçou que “há uma repetição de erros permanente”, esperando-se que, no congresso extraordinário, “finalmente as lideranças do MPLA tenham acordado e comecem a inverter esse rombo”.

“É um momento decisivo, é um momento quase ou vai ou racha. Ou este congresso extraordinário do MPLA dá uma nova força ao partido ou o partido definhará”, considerou.

A realização deste congresso extraordinário, segundo o MPLA, surge no âmbito dos 50 anos da troca dos colonialistas portugueses pelos colonialistas do MPLA, que Angola comemora em 2025, para “um balanço exaustivo” da situação do país que, recorde-se, nestes 50 anos ainda está longe, muito longe, dos índices de desenvolvimento (económico, social, cultural etc.) que se registavam em 1974.

O jurista sublinhou que na agenda do congresso podem estar outros temas, “que os militantes desejam”, incluindo a renovação dos estatutos do partido, se assim o entenderem.

“Sim, num congresso extraordinário os estatutos podem ser alterados, um congresso extraordinário pode fazer tudo aquilo que um congresso ordinário pode fazer”, disse Rui Verde, contrariando “alguma interpretação diferente de muitos juristas famosos em Angola”.

“Eu não tenho essa interpretação, os estatutos do MPLA nesses aspectos são muito claros, não distinguem os poderes de um congresso do outro, a diferença entre um congresso e outro é uma diferença cronológica, não é uma diferença em termos de poderes, não existe essa diferenciação nos estatutos do MPLA”, argumentou.

Sobre a possibilidade de se debater o tema de um terceiro mandato do líder do MPLA, João Lourenço, para o cargo de Presidente da República (não nominalmente eleito), o jurista considerou que “neste momento não se verificam já condições ou apoio, mesmo dentro do próprio MPLA, para o terceiro mandato”.

O analista manifestou cepticismo quanto à possibilidade de um terceiro mandato, também por questões jurídicas, lembrando que Angola foi o primeiro país africano a ratificar o Protocolo de Malabo, instrumento jurídico que criou um tribunal criminal africano. É mesmo caso para enaltecer o humor negro de rui Verde…

“No artigo 28º desse Protocolo de Malabo cria-se um crime chamado mudança inconstitucional de Governo e faz parte desse crime a ofensa ao princípio da mudança democrática ou a introdução de uma revisão constitucional que seja inconsistente com os princípios da própria Constituição”, explicou.

“Até que ponto o terceiro mandato não cairá no âmbito deste novo crime internacional a que Angola foi o primeiro país africano a aderir, é uma questão que se coloca”, rematou, frisando que “a via para o terceiro mandato é cada vez mais apertada”.

Apertada, é verdade. Mas nada que os buldózeres militares não consigam… alargar.

Ilustração: Cartoon de Sérgio Piçarra publicado em 5 de Novembro de 2021 no Novo Jornal.

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